quinta-feira, 5 de julho de 2007

Piaget, Vygotsky e os Miúdos na Publicidade

O Brasil, como os demais povos de sua categoria, não conta senão como massa inerte de manobra, não é senão parcela insignificante num todo imenso em que se dilui e desaparece..."
Caio Prado Jr.

Se considerarmos que a publicidade não é aleatória, mas pesquisada e profundamente estudada, diríamos que justamente por que conhece a criança e os seus estágios de desenvolvimento é que ela é tão eficiente e eficaz. As agências de publicidade, antes de lançar qualquer produto, fazem pesquisas junto ao seu target, inclusive o público infantil. Além disso, contratam psicólogos e pesquisadores do comportamento, para traçar o perfil do consumidor, portanto são profundos conhecedores do género humano.

Como estruturou Piaget, os estágios de desenvolvimento são: sensório-motor, objetivo-simbólico ou pré-operatório, operacional concreto e operacional abstracto ou formal. No início do segundo período, objetivo-simbólico ou pré-operatório, que compreende aproximadamente entre 2 a 6 ou 7 anos, surge a função simbólica, ou seja, ela surge entre 2 e 4 anos de idade. É o início da interiorização dos esquemas de acção na representação. Após os 4 anos, o raciocínio dominante é o da intuição; a criança raciocina e dá explicações baseadas nas intuições e percepções e não na lógica. Por essa razão, muitas vezes ela encontra na fantasia, a compreensão do mundo real. Ao se tornar adolescente, ela é capaz de distinguir o real do possível e fazer julgamentos através da lógica.

Se a fantasia é importante para a criança e se a função simbólica se desenvolve na fase pré-operatória, a publicidade dirigida para essa faixa etária é repleta de fantasia, para que haja a identificação da criança com o produto, para que a criança assimile esse produto, e haja interacção sujeito – objecto. A publicidade quer, nada mais, nada menos, que haja a relação da criança com o produto, que a criança passe a desejar esse produto. Aparentemente a propaganda parece uma coisa extremamente manipuladora, sob um aspecto mais comercial e lucrativo; a publicidade está manipulando os desejos das pessoas, provocando esses desejos e, consequentemente, provocando o consumo.

A fantasia pode ser importante ainda para desenvolver o juízo moral na criança, pois existe uma relação entre afectividade e cognição. Da mesma forma que compreende o mundo real através da fantasia, ela pode aceitar as regras morais como aceita as regras do jogo e da brincadeira. Para Piaget, a educação moral (dada pelos pais e outros membros da sociedade, inclusive professores), é voltada para a criança controlar seus desejos e sentimentos em favor do grupo, isto é, a sua vontade não pode prejudicar o grupo. O desenvolvimento moral é paralelo ao desenvolvimento do raciocínio lógico, portanto a compreensão do certo e errado se dá também através da razão. A afectividade move a acção ao mesmo tempo que a razão identifica sentimentos e desejos e busca êxito nas acções.

Como vimos, Piaget é essencialmente epistemológico e seu enfoque é construtivista; para ele, o desenvolvimento não depende da aprendizagem, ocorre “de dentro para fora” do sujeito e o professor deve ser apenas um “facilitador”. Desse ponto de vista, a publicidade pode ter o papel de facilitador na compreensão do universo, pois se utiliza da fantasia.•

Em relação aos conceitos de Vygotsky, as funções psicológicas superiores dependem da aprendizagem, são as que envolvem, por exemplo, consciência, intenção e planeamento. O homem nasce equipado com características próprias, mas é o animal menos dotado para sobreviver, necessita dos cuidados de alguém experiente. A internalização é o processo em que fatos e fenómenos exteriores se transformam num processo intrapessoal, interior, ou seja, uma actividade externa é reconstruída internamente. A internalização é possível através da mediação de outros (adultos ou crianças maiores) com o sujeito através da aprendizagem. Por isso, diferentemente de Piaget, para Vygotsky o desenvolvimento ocorre mediante a aprendizagem, ele depende da aprendizagem.

A publicidade, para atingir o seu público-alvo, o seu target, passa pelo processo de internalização e utiliza instrumentos da sedução e da retórica, conquistando e facilitando a apreensão pelo sujeito, tanto adulto quanto infantil. São instrumentos simples e fáceis de serem assimilados, despertando os órgãos do sentido e a memória e, com a repetição, acabam fazendo parte do repertório do sujeito. Por exemplo, o logótipo da McDonald’s tantas vezes apresentado a cada comercial, já é reconhecido por crianças que mal sabem falar, o M estilizado da empresa já faz parte do repertório infantil, em diversos lugares do mundo, onde existem lojas da rede.

Outro conceito importante para esse autor é o da zona de desenvolvimento proximal. Muito antes de frequentar a escola, a criança já está no processo de aprendizagem. Entre o nível de desenvolvimento real (como ela está hoje) e o desenvolvimento potencial (o que ela virá a ser ou onde poderá chegar), existe a zona de desenvolvimento proximal. A escola deve justamente reconhecer essa zona, essa distância, e desenvolver actividades a para promover o aprendizado.

Ao meu entender, a publicidade consegue captar essa zona de desenvolvimento proximal e servir como agente facilitando o desenvolvimento potencial; ela muitas vezes substitui o adulto, despertando o desejo de comer um sanduíche ou uma salsicha, ou de brincar com determinado jogo ou com bonecos de plástico. Na realidade, a propaganda estimula o desejo e o consumo de valores e objectos numa sociedade específica. Vygotsky também considera sempre a sociedade específica em que vive o sujeito e a sua cultura.

Tanto do ponto de vista piagetiano quanto do olhar de Vygotsky, a publicidade é um factor de mudança e influencia o desenvolvimento e o processo de aprendizagem da criança, porque faz parte da cultura. Ela não só se utiliza da cultura, para estimular o consumo, mas transforma a cultura, é um agente transformador. A publicidade e, a propaganda mais ainda, causam transformação de hábitos, de costumes e de consumo.

Como a publicidade objectiva gerar lucros, ela usa de um conhecimento bastante interessante, que é o desejo do adulto: status, poder e sexo. Ela faz a mesma coisa com a criança. Qual é o estímulo que a criança recebe? No nascimento ela recebe estímulos e condições para comer e dormir. A comida tem um papel extremamente importante na vida dela, inclusive do ponto de vista psicológico – aquele que alimenta (a mãe) é o provedor de subsistência, de carinho, é a figura poderosa e muito importante psicologicamente. Depois ela passa para a fase do brinquedo, tudo passa a ser muito colorido, ela passa a ser estimulada a brincar por que o objectivo é a sua socialização. Qual é o objecto de desejo e de poder para essa criança? Ter, comer aquilo que é chic, que é moderno, que é diferente e que os outros ainda não fizeram, e possuir brinquedos como forma de status também. É por isso que ela gosta da McDonald’s, quer ir à Disney e quer brinquedos como os Pokémons, ela quer estar socialmente aceita e pessoalmente satisfeita.

Mas não estamos num beco sem saída. Se a publicidade consegue estimular o consumo, provocar o lucro e tem o poder de transformar a cultura, significa que ela tem um grande poder. E esse poder pode ser usado de várias formas. Professores e alunos podem conhecer todos os mecanismos da publicidade, apropriar-se deles e construir com criatividade prol de suas necessidades e interesses. Precisamos então, compreendê-la melhor e usá-la de uma maneira a promover o ser humano e não a mecanizá-lo.

Ainda não percebo se sou um crítico ou um sonhador, mas existem possibilidades muito grandes de contribuição não só da publicidade como da comunicação social em geral, para a reactivação de nossa cultura e restabelecimento da dignidade dos povos.

Obs: Vygotsky e Piaget não são especialidades minhas, por tanto, podem haver erros de interpretação das suas ideais e conceitos. Este texto foi inspirado pela minha ultima prova de Teoria e História da Publicidade e mais algumas coisas lidas pela Internet.

1 comentários:

Ederval Fernandes disse...

Pelo paralelo entre pedagogia e publicidade.

Você está escrevendo melhor do que eu. Sério mesmo.