domingo, 29 de abril de 2007

Whoa is Me?

Então. Como nos vêem fora de casa?

Tenho me tornado cada vez mais eremita, tenho sentido menos necessidade de convivência com ‘pessoas reais’, mas em minha “janela” para o mundo, sempre ligada, vivo a transitar por entre páginas de livros muitas vezes não bem escritos, que não me afastam de buscar algo novo para pensar. Faz quanto tempo que não encontro alguém realmente impressionante, daquelas pessoas que você perderia tardes a conversar sobre os mais diversos assuntos. A quanto tempo não encontro alguém que me diga algo que ainda não sei, ou pelo menos me mostre uma maneira nova de enxergar o que já sei.

Realmente, sei que não posso achar essas coisas vivendo no isolamento, mas depois de algum tempo você começa a perceber que não devemos procurar as coisas. A muito percebi, que os melhores amigos que eu já havia feito na vida, apareceram sem que eu os procurasse, não os fui buscar em parte alguma. Mas agora, vivendo aqui, longe de casa como vivo, acho que cresci em alguns aspectos. Já percebo o mundo de uma outra maneira e espero que esta me seja útil. Já não vejo meu país como antes, já não vejo o povo e suas atitudes como antes. Tornei-me um estranho.

Após ter experimentado o sabor dos preconceitos, meus olhos estão mais eficientes e ouvidos ficaram mais atentos. Eu poucas vezes fui directamente alvo de situações em que o preconceito manifestou-se, mas para uma boa compensação, alguns anos de leitura deixaram-me muito sensível, ao ponto de me magoar com a dor alheia. Meu estômago não consegue digerir os sapos ao molho de bacalhau, servidos ainda quentes por uma sociedade tão frágil e corrompida quanto a que pertenço. O que me causa confusão é que realmente não estamos certos, o tempo inteiro.

Meios de comunicação venderam uma imagem desagradável do Brasil. Algumas pessoas ainda pensam que sei capoeira ou que danço samba. Algo que até gostaria de saber, não seria mal, verdadeira pena nunca ter levado jeito. No entanto, não foram essas pequenas ideias preconcebidas que fizeram-me perceber outros tipos de juízos que são feitos de nós. Quando ainda morava em Salvador, lembro-me sempre de ter ajudado os estrangeiros que necessitavam de informações (claro que dentro das possibilidades do meu inglês) na altura, não sabia muito (ainda hoje não sei muito, mas que se importa).

Mas acho que como eu, quase todos no Brasil, tem esse espírito solidário e boa disposição para ajudar, informar e muitas vezes existem até aqueles dispostos a carregar sacolas na ladeira da Lapa. Enquanto isso, noutros locais do mundo, você é visto como? Posso dizer que a imagem do povo sempre alegre e bem-disposto, não é só o que vêem, nem tão pouco a imagem dos exímios dançarinos carnavalescos ou lutadores de capoeira, nosso povo tem antes disso uma imagem de gente que não se deve dar muita confiança, claro, nem todos pensam assim.

Por aqui, ainda não vi se quer um único brasileiro trabalhando perto de uma caixa registradora, não é desconfiança, é que nossas notas em matemática devem ser ruins. Algumas lojas de produtos de valores agregados, evitam a contratação de imigrantes brasileiros. Somos desajeitados, pode ser que venhamos a partir qualquer coisa por lá. Agora já como um cliente, somos muito bem tratados. Em algumas lojas, quando percebem que você é brasileiro, prontamente um segurança começa a segui-lo para que você não se perca. Particularmente, acho muito educado da parte deles.

Eu pessoalmente, tive um incidente numa loja de produtos da China, fui seguido de perto pelo proprietário da loja que insistiu em dar mais atenção do que eu julgava necessário. Como todos os que me conhecem podem prever, o desfecho final não foi muito engraçado. Quantas vezes, quando trabalhava no “Palmeiras Café”, fui questionado “…este troco está certo?”. Portugueses marotos, sempre desconfiados de nossas capacidades matemáticas. Por fim, penso que esse acolhimento é uma coisa muito boa, faz você sentir-se como na casa do tio Zeca, Irmão da avó do
primo do seu pai (o típico parente que você só conhece em funerais, e nunca mais vê).

Mas não posso mandar só abaixo isso aqui, temos que perceber onde estamos, nessa relação entre proprietários e inquilinos, nos brasileiros somos realmente grande invasores, as taxas de desemprego no velho continente nunca estiveram tão altas, mas não é só o desemprego que ajudamos a aumentar. Actualmente, mais de metade das famílias não têm qualquer filho e 24% optam por ter um único filho. Apenas 3% dos casais têm três ou mais filhos. A taxa de natalidade que caminhava abaixo dos 0,3 filhos por casal, após a chegada das levas de imigrantes, já está em qualquer coisa na ordem dos 1,1. São realmente dados oficiais. Os canais portugueses são chatos.

Penso que quando estamos na casa de outros, temos que realmente agir com certa formalidade e na questão formalidade somos realmente mestres. Nenhum povo do mundo consegue a façanha de por o carro parado numa esquina, sobre uma faixa de pedestres, em frente a um semáforo, com o som alto no melhor estilo do “Funk Carioca”, com as letras acompanhadas na íntegra, pelos 8 ocupantes do dito veiculo. Esse tipo de coisa me faz pensar no que estava passando pela cabeça do Fernando Henrique Cardoso quando chamou os Brasileiros de “matutos”. Não me lembro em que contexto aconteceu, mas tenho certeza que tornaria o argumento mais forte se ele tivesse ilustrado com um exemplo de um brasileiro atendendo o celular nos comboios portugueses. Realmente bizarro!

Certa feita no Aeroporto de Madrid, um casal Norte-americano conversava comigo sobre o preconceito que os brasileiros sofrem na Espanha, apesar de ter muito pouca afinidade com o povo anglo-saxão, a conversa desenrolava-se bem, até que em determinado momento fomos interrompidos por uma senhora brasileira, (que as vezes parecia um senhor). Ela dizia como era sua vida na Alemanha. Com um daqueles portugueses (língua) bizarros, intercalados com os longos abanares de suas longas unhas vermelhas, contava-nos que no começo foi muito mal tratada, e como seu sofrimento havia acabado quando que por encanto conheceu o Hanz(?) seu actual marido e que agora com cidadania alemã, sentia-se a vontade, para “armar o barraco” onde quer que fosse.

O Sr. Cardoso me parece as vezes ter razão na questão da nossa “matutagem”, depois que vi o documentário “Muito Alem do Cidadão Kane” feito pela BBC de Londres, sobre o Brasil, descobri quem realmente sou. Sou apenas um coitado, manobrado pelo canal que foi escolhido pelo controle remoto que está na minha mão. Por aqui há mendigos que falam 3 idiomas e com muita dificuldade você se forma no Brasil e leva para o caixão dúvidas de português entre o “mau com u e mal com l”. Como é possível que caminhemos contando carnavais? Fazendo festinhas aos desconhecidos. Vendo um alguém especial em quem muitas vezes é muito menos especial que você, o grande herói quotidiano.

Não quis ter nesse texto uma opinião agressiva, apenas coloquei algumas coisas que rondam a minha cabeça desde que cá cheguei, é uma pena que nosso país seja tão grande que nos fez perder a noção de civilidade. É realmente triste ver que poucos sabem cantar o Hino Nacional ou o da Bandeira, vá lá que isso não lhe valha de muito, é verdade. Somos o país mais desorganizado do mundo, nenhuma geografia é tão complexa como a nossa. A nossa fórmula de república é altamente estranha. Somos forçados a comer a programação do legado ditatorial do Dr. Marinho e de sobremesa as suas cópias toscas. Por isso não é de admirar o nosso modo de viver e o nosso jeitinho brasileiro. Estamos nos tornando um retrato da novela da 20:00h.

Deixo vocês com algumas perguntas que sempre ouço, quando tenho ânimo para conversar com o povo na faculdade: Não há classe média no Brasil? Não é normal os homossexuais beijarem-se nos Shopping Centers ou em locais públicos? Não há muitos negros no Brasil, pois não? Quer dizer que vossas novelas não reflectem vossa realidade? Quer dizer que vocês não são tão liberais quando pensamos?

Você se conhece?