sexta-feira, 22 de junho de 2007

Existe uma Língua no Pensamento?

"Não é preciso entender de óptica para ver bem..."
Bacon

Antes de ler o texto, responda a si mesmo a pergunta-título. Será que você, falante nativo do português, pensa em português? Será que o falante nativo do russo pensa em russo? Ou será que existe uma outra maneira para a ocorrência do pensamento e ele é "traduzido" por nós quando falamos?

Descartes diz que o que nos diferencia dos animais é a linguagem e a partir dela ele chegou a conclusão de que nós possuímos um espírito, uma contra parte interior que nos tira da categoria de autómatos. Em outras palavras, é através da linguagem que transmitimos nossos pensamentos, é essa contra parte interior que nos faz diferentes das máquinas que por comandos tem acções e reacções relativamente previsíveis ou "calculáveis". Chomsky, próximo da ideia de Descartes vai dizer que uma das principais funções da linguagem é a expressão do pensamento. Em nenhum momento, porém, os autores dizem que linguagem e pensamento são a mesma coisa. Se não me engano, Piaget e Vigotsky dizem algo sobre a natureza do pensamento e da linguagem e que ambos provém de "lugares" diferentes.

Bem, eis a proposta do texto: linguagem e pensamento não são a mesma coisa. Nós certamente não pensamos em nossa língua nativa. Pense na seguinte situação: Você acorda e percebe que está com fome/ Pensa em tomar café com leite e pães de queijo, mas lembra que você comeu todos eles na noite anterior/ Você teria de sair de casa para comprar mais/ Então, você decide não ir até o supermercado/ Escolhe comer outra coisa ou apenas tomar o café. Toda essa seqüência de decisões demoraria um bocado se fosse articulada sentença por sentença em sua língua nativa. Nós geralmente pensaríamos essas coisas sem articular frases em português.

Segundo Pinker, em seu ótimo livro O Instinto da Linguagem, acreditar que nós pensamos na nossa língua é um absurdo convencional. E dá um óptimo exemplo: "Todos tivemos a experiência de enunciar ou escrever uma frase, parar e perceber que não era exactamente o que queríamos dizer. Para que haja esse sentimento, é preciso haver um ‘o que queríamos dizer’ diferente do que dissemos". Quantas vezes não pensamos com frequência sobre um determinado assunto, mas na hora de falar sobre ele não conseguimos articular as palavras? Ou seja, não conseguimos traduzir do mentalês (definição de Pinker) para o português.

Existe a hipótese de que a linguagem e o pensamento estejam ligados e esta ideia está ligada a Sapir e a Whorf. Eles afirmam que é uma determinada língua que direcciona o nosso pensamento. Por exemplo, falantes da língua Wintu têm que colocar um ou outro sufixo em seus verbos para marcar 1) se o conhecimento que estão transmitindo foi aprendido por observação direta ou 2) se foi aprendido por "ouvir dizer". Mas isso não significa muito, pois será que os falantes do inglês, português ou espanhol não sabem se aprenderam algo por observação directa ou por terceiros? Claro que sabem. A língua, sendo Wintu ou não, não altera o nosso modo de pensar/ver a realidade.

Pinker trás alguns exemplos de pensamento sem linguagem: bebés, seria um deles, não podem pensar com palavras. Macacos muito menos, pois não tem capacidade para aprendê-las. Portanto, a língua do pensamento seria essa espécie de mentalês - que nos faz diferentes dos animais e das máquinas, que nos faz não-autómatos. E se é verdade que não existe tradução perfeita, faz sentido que existam alguns de nossos pensamentos que são melhores quando guardados connosco, quando não afirmados ou expressados. Mas aí, a discussão sai do campo da linguística e da proposta deste texto.

4 comentários:

Ederval Fernandes disse...

Eu estudei alguns aspectos deste textp nas aulas de linguística do meu curso na universidade. Não gostei, porém. Já agora lendo o que você escreveu, fiquei um pouco mais curioso.

Uma dica: há um filófoso chamado Heidegger que diz que "a linguagem é a casa do ser". Vá atrás dele, tem muito a dizer sobre o que você quer aprender.

Muito bom texto. Parabéns.

Unknown disse...

=D

Vou olhar!

APC disse...

Sabes... Sempre achei piada à dicotomia "o pensamento como modelador da língua" X "a língua como modeladora do pensamento". Não é do que se trata aqui, bem sei, mas ocorreu-me partilhá-lo. Será que se vivêssemos num local com tanta neve como vivem os esquimós, também teríamos vinte e tal palavras para a definir? E será que se nos tivessem ensinado, quando pequeninos, o significado de todas essas variantes de neve, as conseguiríamos detectar à vista? Damos nome àquilo que conhecemos, é verdade; mas também (des)conhecemos na medida em que nomeamos. Será, não será? Não sei!

:-)

Raphael Ramires disse...

Muito interessante seu texto Paulo. Outro dia estava lendo em um fórum, discussão sobre esse tema. Você conseguiu concluir a questão. Acho que não se levantaria tanta polêmica se fosse considerada a palavra linguagem em sua semântica mais ampla. Linguagem como comunicação. Há diversar formas de comunicação. A linguagem verbal é uma delas. Existem a linguagem artística, a cinésica, a fisiologia dentre tantas. O pensamento é a elaboração de informações que percebemos de alguma forma. Essa elaboração será feita da mesma forma que as idéias foram captadas. Por exemplo: uma ideia filosófica apreendida por leitura, será elaborada em linguagem verbal; a ideia de ter que tomar só café porque o pão acabou, será elaborada por deduções figurativas porque assim percebemos o fato.
Acho que a linguagem da mente nada mais é que a reprodução da linguagem utilizada para se perceber aquilo que se vai pensar.